segunda-feira, 7 de maio de 2012

Reivindicação dos Pais Face a Adversidade: Autismo e Famílias na República Popular da China


Resumo e Comentário por Dr. Diógenes Batista da Silva, Ana Maria S. Ros de Mello e Rebeca Costa e
Silva
A ciência ainda não encontrou uma cura para os Transtornos do Desenvolvimento, mas
em determinados lugares como os EUA e países da Europa, diversos programas e
métodos de intervenção com eficácia e cientificamente válidos já foram [e estão sendo]
elaborados e implantados. A disponibilidade de educação e programas de intervenção
para pessoas com Transtornos do Espectro Autista (TEA) em tais lugares é
responsabilidade do governo, em outras palavras, o governo tem o dever de propiciar
educação e intervenção adequada para pessoas com TEA gratuitamente. Infelizmente
este não é o caso para todos os países do mundo. O presente estudo demonstra, ao
menos de relance, a realidade para famílias e crianças com TEA na República Popular
da China.
Sabe-se que a participação dos pais [e da família] na vida da criança com TEA é crucial
para o sucesso da mesma. Os pais são membros da equipe de profissionais que presta
serviços aos indivíduos com TEA, são eles [os pais] que promovem a generalização e
fortalecimento das habilidades sociais (dentre outras) para outros contextos.
Devido à falta de instituições e profissionais especializados em TEA na República
Popular da China, os pais de crianças com TEA frequentemente não são membros de
uma equipe e sim os únicos educadores de seus filhos. Famílias chinesas enfrentam
muitas dificuldades por causa de crenças socioculturais em relação à deficiência.
Só para uma breve contextualização sociocultural, foi na década de 1970 em que a
educação especial surgiu para alunos com deficiências na China, porém em passo mais
lento para alunos com autismo. O foco das escolas também era para alunos com
deficiência visual, e/ou auditiva e/ou com comprometimento cognitivo leve. Crianças
com TEA só começaram a ser diagnosticadas a partir de 1982. Desde então, médicos
vêm realizando diagnósticos, porém em lugares mais distantes e rurais existem médicos
que ainda não têm conhecimento do transtorno.
Os educadores têm menos conhecimento do que os médicos sobre autismo e TEA, e o
efeito da falta de conhecimento/informação se reflete até para matricular alunos com
TEA em escolas, mesmo aquelas de educação especial, sendo a desculpa mais
frequente: ?Não entendemos autismo e não podemos ajudar o seu filho?.
Além das barreiras e desafios relacionados à falta de informação com que os pais de
crianças com TEA se deparam, está algo cultural: o estigma em relação à deficiência.
Muitos pais quando questionados têm dificuldade em admitir que seus filhos tenham
alguma deficiência, pois se tem a crença de que a culpa é da mãe ou da família materna.
Um estudo anterior observou que embora os pais de crianças com deficiência
tenham vergonha de seus filhos, eles desejam/querem o melhor para seus filhos. Esse
mesmo estudo também relata que os maiores esforços que estão sendo feitos para
assegurar os direitos de pessoas com TEA e outras deficiências são das Organizações
Não Governamentais (ONGs).
Os resultados observados neste estudo fazem parte de um estudo qualitativo maior em
que se investigou o aprovisionamento de serviços a famílias em duas instituições que
prestam serviços a crianças com autismo e suas famílias: uma ONG conhecida como o
Instituto do Autismo (Autism Institute) e um centro de saúde mental infantil na divisão
de pediatria de um hospital de neuropsicologia, conhecido como Centro Infantil (Child
Center) que é mantido pelo estado. Estas duas instituições propiciam aproximadamente
três meses de instrução para crianças e seus pais; ([as instituições] focam o treinamento
de pais para que os mesmos possam retornar aos seus lares em diversos lugares do
país[1] e continuar a ensinar os seus filhos).
Todos os cuidadores das crianças com TEA matriculados nas duas instituições foram
convidados a participar. No Instituto do Autismo 35 de 36 famílias aceitaram participar
e no Centro Infantil oito de 10 famílias aceitaram participar. Foram realizadas
entrevistas com as famílias, ora com um dos cuidadores ora com dois ao mesmo tempo
e também com dois só que alternadamente.
Todos os pais das crianças neste estudo eram casados. A maioria tinha bastante apoio da
família, visto que muitos eram acompanhados por um parente ao irem à instituição. Os
pais eram socioeconomicamente diversificados (escolaridade variava de ensino básico
incompleto a mestrado; profissionalmente?de cantor de opera ou agricultor a
engenheiro), no entanto, todos os participantes representavam uma porção da população
que quer por condições próprias ou com ajuda de parentes, dispunham de condições
para terem acesso ao serviço.
Todas as crianças com exceção de uma, eram filhos únicos[2]. As crianças tinham
entre 11 meses de idade e três anos e dois meses, e todas tinham recebido o diagnóstico
de autismo do hospital. A autora observou (de modo informal) que as crianças
apresentavam diversos níveis de desempenho cognitivo, verbal e comportamental.
Embora a incidência seja quatro indivíduos do sexo masculino para um indivíduo do
feminino, foi observada nesta amostra uma incidência de 9:1 respectivamente. Isto pode
ser devido a uma proporção alta do gênero masculino em relação ao feminino
encontrado na população chinesa.
Para a coleta de dados foram conduzidas entrevistas semiestruturadas, acompanhada de
conversas informais. As entrevistas eram direcionadas com questões pré-estabelecidas,
mas moldaram-se até certo ponto pelo entrevistado. Dois questionários com objetivo de
acompanhamento (quando as famílias voltavam para seus lares): o primeiro depois de 1-
2 meses após a partida [das famílias] e o segundo 10-12 meses após a partida [das
famílias].
A seguir estão os principais pontos que foram trazidos a tona pelos pais através das
entrevistas.
Discriminação, Medo e Solidão
· As crenças e práticas discriminatórias existem;
· Os pais são culpados por outras pessoas (por exemplo, vizinhos, parentes) pelo fato de a criança ter
TEA;
· Os pais são relutantes em compartilhar com outras pessoas que seu filho ou sua filha tem autismo; as
outras pessoas não entendem o que é autismo e isso contribui para essa relutância dos pais.
· No entanto, alguns pais estão mais abertos a necessidade de divulgar e advogar sobre o autismo e a
necessidade de seus filhos poderem ter uma vida digna.
Rejeição e Falta de Oportunidades para Educação
· As escolas públicas ou governamentais rejeitam alunos com autismo (visto que
habilidades básicas de vida diária são pré requisitos para a admissão dos alunos,
e como essas crianças com autismo não têm acesso a programas e intervenções,
não apresentam esses requisitos; ou muitas das vezes os pais tentam ensinar
seus filhos com TEA tais habilidades);
· O momento de transição e tentativa de inserir seus filhos com autismo nas escolas
é momento de grande ansiedade para os pais;
· Há uma pequena possibilidade de inserção dos filhos com TEA nas escolas caso
houver conexões (através de amigos, parentes, etc.), porém só o fato de ter
alguma conexão nem sempre é suficiente, ou quando se têm essa possibilidade
muitas das vezes é na condição de que alguém (mãe, pai, avô, avó e etc.)
acompanhe a criança nas aulas[3];
Dedicação dos Pais
· Os pais e as famílias se deparam com muitos desafios, dentre eles a falta
de conhecimento dos educadores em relação ao autismo, esta sendo a
principal causa de rejeição das escolas. Apesar disso, os pais relataram
fazer qualquer coisa por seus filhos com TEA para obterem programas
adequados para os mesmos. Muitos relataram deixar o emprego para
cuidar de seus filhos, passar por condições extremas (como um pai, por
exemplo, que carregou a filha de pé dentro de um trem que percorria 15
horas de viagem para levá-la ao médico), dentre muitas outras
barreiras que se apresentam a esses pais chineses, como muitos outros
pais de crianças com TEA ao redor do mundo.
Pode-se dizer que se os pais de crianças com TEA na China não lutarem por seus filhos
não há quem o faça por eles. E a esperança que eles têm é de que algum dia surjam
escolas que aceitem seus filhos, pois precisam de mais apoio do que um programa de
curta duração.
Algumas limitações deste estudo são de que a amostra foi composta por um perfil de
pais que de alguma forma ou outra apesar de questões financeiras e crenças
socioculturais foram em busca e conseguiram inserir-se juntamente com seus filhos nos
programas; seria interessante realizar um estudo com outras famílias que apresentam
características diferentes daquelas apresentadas aqui, para uma visão melhor da
população chinesa de famílias com um parente com TEA. Outra limitação foi o tempo
do estudo de 12 meses; um estudo com maior período de tempo nos mostraria efeitos ao
longo do tempo, decisões, desafios e conquistas das famílias.
Embora a cooperação internacional seja uma via pela qual mudanças e esforços podem
ser feitos, há uma via mais básica, que é a divulgação e esclarecimento no país do que
são os transtornos do desenvolvimento, pois o conhecimento é o primeiro passo
para compreensão e aceitação. Outra via é o uso da mídia, para pais que estejam
dispostos a se comunicar com profissionais, funcionários governamentais e outras
pessoas sobre suas experiências com o autismo (e isto se estende a outros
comprometimentos também).
Para concluir, é de suma importância que os educadores, os políticos e etc. tivessem
uma educação continuada para adquirir mais conhecimento sobre TEA e outros
comprometimentos, para que assim diante dos pais eles se mostrassem compreensivos e
não relutantes ou receosos; visto que eles são os responsáveis por uma das mais eficazes
e promissoras ferramentas para com o autismo: a educação.
[1] As famílias eram de diversas cidades por toda a China, sendo que a família que morava o
mais distante das instituições viajava mais de 2 000 km. E por isso, todas as famílias tinham
acomodações temporárias próximo às instituições.
[2] Na República Popular da China, existem políticas que limitam um(a) filho(a) por família,
porém, se o primeiro filho ou filha tiver alguma deficiência ou comprometimento esta família
poderá tentar ter outro(a) filho(a).
[3] Os educadores afirmam não poderem dar atenção especial à criança com TEA, pois as
classes têm entre 40 e 70 alunos ou na pré-escola 30 e 40.

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