Não é possível falar de envelhecimento das pessoas com deficiência intelectual sem que isso provoque alegria para nós que convivemos diariamente com elas. Afinal de contas, até não muito tempo atrás, esse assunto nem existia na nossa pauta de discussões. E não existia porque essas pessoas não chegavam a envelhecer, tão baixa era a sua expectativa de vida.Atualmente, muitas pessoas com deficiência intelectual (dentre elas a Síndrome de Down que é a segunda mais frequente de todas) já tem uma expectativa de vida que ultrapassa os 60 anos e, espera-se que nos próximos 10 anos chegue muito próxima da expectativa média de vida da população em geral (que, segundo a última pesquisa Tábua de Vida do IBGE, é de 72,7 anos). Ainda que, em outros casos, como a Síndrome de Rett, essa expectativa ainda é muito baixa.Claro que, se de um lado temos ganhos do ponto de vista de saúde e de qualidade de vida, por outro, temos questões importantes com as quais precisamos lidar e trabalhar para resolver. Dentre muitas, eu gostaria de me deter em 3 aspectos que, acredito, são os mais relevantesDo ponto de vista médico, as questões associadas ao envelhecimento precoceO modelo social de deficiência associado ao modelo social de envelhecimentoA questão da autonomia dessas pessoasEnvelhecimento Precoce: até por estarem vivendo mais, um grande número de pessoas com deficiência intelectual tem mostrado que o envelhecimento começa mais cedo do que na população em geral.O envelhecimento do organismo como um todo está relacionado com o facto das células somáticas[1] do corpo irem morrendo uma após outra e não serem substituídas por novas como acontece na juventude. No caso dos seres vivos relaciona-se com a diminuição da reserva funcional, com a diminuição da resistência às agressões e com o aumento do risco de morte.Existem alguns fatores que contribuem para esse envelhecimento precoce biológico, dentre eles a menor eliminação (ou maior estabilização de radicais livres), a maior propensão a outra patologias como o hipotireoidismo(SD), hipercalcemia (Síndrome de Williams), hipotonia (SD e X Frágil).Existem estudos não conclusivos a respeito de uma maior incidência de Alzheimer entre a população com SD.A maioria dessas questões médicas estão mais ligadas à prevenção, ou seja, à medida que a informação a respeito das mesmas avança, existe uma tendência a uma menor manifestação futura dos seus efeitos sobre o envelhecimento.Modelo social : nós sempre discutimos bastante as questões relacionadas ao modelo social da deficiência. Entendemos que, muito além da condição anatômica ou fisiológica que provoca a deficiência, essa é extremamente agravada pelo ambiente hostil em que convivemos. Um mundo sem acessibilidade física, sem acessibilidade de comunicação e, particularmente para as pessoas com deficiência intelectual, cheio de barreiras atitudinais que fazem com que a manifestação da deficiência seja muito maior do que aquilo que a provoca.A questão do envelhecimento também passa pela questão do modelo social. Além da perda de funcionalidade provocada pelo envelhecimento nós vivemos num mundo que é hostil aos idosos. Essa hostilidade não é muito diferente das que enfrentam as pessoas com deficiência, tanto do ponto de vista de acessibilidade, como do ponto de vista de atitudes.No caso das pessoas com deficiência intelectual, as consequências da exclusão em que viveram (sem acesso à educação, a um ocupação digna, a relacionamentos sociais não segregados), potencializam outras questões : diminuição da memória e da capacidade raciocínio, depressão e, em alguns casos, o aparecimento de distúrbios psiquiátricos.[2]Entendemos que, à medida que essas pessoas passarem a ter uma qualidade de vida maior, a tendência é que essas situações diminuam.Não só por esse motivo, lutamos para que as barreiras atitudinais sejam derrubadas (seja para a pessoas com deficiência, seja para os idosos sem deficiência).A questão da autonomiaUma pergunta recorrente entre os pais de adultos com deficiência intelectual e uma preocupação latente entre os pais de crianças com DI é: o que vai acontecer com ele quando eu morrer ?Os adultos de hoje, na sua esmagadora maioria, não foram educados para serem autônomos, mas para serem “deficientes” e, consequentemente, é isso que eles são.Não vou entrar no mérito dessa situação, pois ela passa por uma série de valores e crenças que existiam a 30, 40, 50 anos e não acredito que seja saudável culpar alguém pelo passado a partir de premissas que temos hoje.Por outro lado, não podemos permitir que esse modelo continue a se reproduzir (e ele continua a se reproduzir), caso contrário teremos, no futuro, uma multidão de pessoas com deficiência intelectual idosas reféns de sua própria sorte.Em relação aos adultos de hoje, precisamos garantir “colchões” sociais que lhes dêem suporte para não ficarem abandonados. Isso inclui questões como moradias assistidas, meios econômicos de vida e relacionamento social e atendimento médico inclusivo (hoje, definitivamente, algo inexistente)Aos adultos e idosos do futuro, precisamos garantir educação de qualidade que os habilite para o mercado de trabalho, acesso aos contextos que os permitam construir relacionamento sociais sólidos e direitos civis que empoderem a respeito das decisões sobre as suas próprias vidas[3].[1] Células somáticas são quaisquer células dos organismos multicelulares que não estejam diretamente envolvidas na reprodução, tal como as células da pele.São células cujo núcleo se pode dividir apenas por mitose, ao contrário das células germinativas, que podem sofrer meiose, para formar os gâmetas[2] Temos os que hoje não foram segregados, tiveram acesso a educação e relacionamento social inclusivo e que já são os com qualidade de vida apesar de ser um número pequeno, muitos tem ocupação digna e são parte dos proventos da casa[3] Já existe os habilitadas para o mercado de trabalho digno, só a Bauducco tem mais de 100 pessoa com DI trabalhando em linha de produção, além de outros em funções no Banco Real, Fleury, Lavosier, Novartis, American Express, Serasa e outrosEsse artigo foi escrito para um evento do CVI-Brasil e contou com a revisão de Regina Leondarides, Gil Pena, Naira Rodrigues, Edna Belasco, Juliana, e do Dr José Moacir, aos quasi agradeço de coração.
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